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segunda-feira, 4 de junho de 2012

Era um daqueles domingos de outono. Frio e solitário. Da janela era possível observar as folhas sendo arrastadas pela rua vazia.
Na casa da minha avó tudo é sempre quente. Aquece o coração lembrar que existiu aquele lugar. Eramos em quatro. Minha prima com suas histórias dramáticas me ensinou a imaginar e entender que para ser boa a história é preciso drama. - "Ela vai mesmo morrer?" - Perguntava eu chorosa com a Barbie em coma nas mãos.  -" Vai, se não perde a graça a brincadeira". - respondia minha prima sempre tão madura em suas explicações. As vezes, abandonava ela com suas histórias, por não aguentar tanto sofrimento e ia atrás do meu primo e meu irmão. Estes me ensinaram que ser menino, muitas vezes é bem mais divertido. Escalar, subir no telhado, jogar videogame, lutinhas... "Tudo bem a gente pode brincar disso, mas tem que ter morte e luta sempre?" - Perguntava eu querendo que, talvez, tivesse um pouco mais de romance nas brincadeiras masculinas. "É assim e pronto. Agora escolhe. Que poder você quer ter?" - Dizia meu irmão sempre tão prático. Quando me cansava deles, porque sei que me canso rápido das pessoas, podia voltar para o meu mundo. Neste nenhum primo ou irmão podia entrar...Era meu só meu. E assim no meu meu mundo, observando a rua solitária de domingo vi um homem na calçada. Trazia consigo uma maleta velha, toda desbotada pelo sol ou talvez pelo tempo. Seu paletó era feito da junção de tantos outros, esgarçado e desbotado. Tinha uma postura cansada, mas ao mesmo tempo equilibrava uma dignidade de quem veste sua melhor roupa de sair. Se a rua fosse de terra, suas pegadas seriam profundas, de quem carrega o peso de sua história.
Aquela imagem esfriou meu corpo e me encheu de uma ternura que até então desconhecia. Vontade de abraçar a história de alguém que precisa de amparo. Ele se viu sendo observado e eu com vergonha do que acabara de sentir, sim, porque tenho vergonha de sentir tudo que sinto, fechei as cortinas rapidamente.
Não demorou muito e a campanhia tocou. Era o senhor de cabelo cuidadosamente penteado e de olhar de cão obediente.
"Senhora, sou do Sul. Vim encontrar minha família, mas parece que eles se mudaram. Não tem algum trabalho que eu possa fazer? Corto grama, arrumo o que precisar..." - Sua voz era de quem já sabia da dor que é fecharem a porta para seus sonhos."Não tem não" - Disse minha tia desconfiada. Nesse momento eu não quis mais mentir. Mentir torna o mundo desconfiado e eu quero confiar naquilo que sinto.
 - "Tenho um prato de sopa se o senhor quiser...."
- "Sim senhora, aceito" - e sentado na calçada o homem tomou a sopa e eu vi seus olhos nublarem. Sem que ele pudesse conter, lágrimas começaram a escorrer pelo seu rosto tão marcado por histórias que eu nem sabia que poderiam existir. Ao notar que era observado, conteve o nó que lhe prendia na garganta e se desculpou. " Desculpe senhora, deve ser o quentinho da sopa..."
Lembranças, como pode ser cruel e doce lembrar...
Lá fora na rua das ilusões o homem pegou sua maleta, talvez seu único pertence e continuou seu caminho. Era imagem de um homem cansado...Cansa viver se equilibrando.
Dentro da casa da minha avó tudo continuou quente, mas eu ainda não conhecia a nostalgia que é o calor do afeto traz.

E a gente corre demais. Chegando algumas vezes a atropelar o tempo. Tudo tem que ser já, sem demora, sem espera. Pressa que devora os sentidos e a gente nem sente mais. É um beijo trocado aqui, palavras soltas lá. Cuidado para não perder tempo demais...Corre, passa por cima. Aonde é que a gente quer chegar com tanta pressa?
É aqui, agora. Pressão. Que sufocante é a vida dos apressados. Que triste é parar e ver que tudo passou. Passa e fica a vontade esquecida por tantas coisas novas que ganhamos na corrida. Correr exige leveza. Leve é aquele que não carrega consigo o peso de sua história.
Preciso por os pés na areia. Sair daqui. Ser normal me esgota e estou cansada.
A primeira vez que vi o mar me apaixonei. Fui engatinhando em direção a ele encantada com sua imensidão. Quando criança sentada na varanda observando a paz que a tempestade traz cheguei a conclusão de que o mar era infinito e então me apaixonei novamente.
 - "Que idiotice!" - Disse meu irmão. - "O mar tem fim sim...". Eu não acreditei nele, porque geralmente acredito no que sinto e naquele momento os meus olhos podiam estar enganados, mas o meu sentir, não. Aquela imensidão azul era um mistério e é preciso mistério para se apaixonar.
Outra vez, minha mãe foi me buscar no meio das pedras. - "Menina, sai dai. A maré vai subir e o mar é traiçoeiro." Foi a primeira vez que eu tive medo daquilo que eu mais gostava e digo que é horrível temer o que se quer.
Aprendi então a observar o mar de longe. Sentada na praia. Talvez essa seja minha forma de gostar. Distante...

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